Haverá Papões na Escola?

Podem existir muitos “bichos maus” na sala de aula e no recreio. Cabe aos pais estarem atentos e impedirem que eles “ataquem” os seus filhos.

O dever da escola é descobrir talentos e competências, detectar fragilidades, tentar dar informações, conhecimentos. Sobretudo é o de transmitir sabedoria que seja geral e cientificamente sólida, prática, boa para todos, mas respeitando que alguns alunos podem ser melhores do que outros e que isso não deve ser transformado num juízo de valor sobre a pessoa, o seu presente ou o seu futuro, ou ser explicitamente denunciado na praça pública. Este pode ser um primeiro papão, quer relativamente aos que “menos marcam” (e podem existir tantas causas para isso…), quer quanto aos que figuram em “quadros de honra”, como se a honra de uma pessoa fosse medida pelo número de respostas certas que deu (e há tantas maneiras de as dar, nem sempre muito boas…).

Ritmos de ensino
Outro papão a tomar em consideração tem a ver com os ritmos de ensino. As longas aulas em que os alunos têm de estar quietos e calados, em que não se respeitam nem a biologia nem a psicologia das crianças ou dos adolescentes. Há professores e professores, dir-me-ão. Felizmente – respondo. Mas ainda se registam muitos casos de “ensino à moda antiga”, com professores papagueando temas e veiculando informação, como se abrir a cabeça aos alunos e enchê-la de dados fosse o passaporte para uma vida feliz. Professores que se auto-admiram e que consideram cada movimento muscular do aluno como uma falta de respeito e um desafio à sua douta sapiência. Um professor deveria convidar os alunos a espreguiçarem-se de vez em quando, a mexerem-se e até a interromper a aula para discutir, de forma animada mas orientada, em quatro minutos, os últimos resultados do futebol. Quando regressassem às matérias, os alunos iriam digerir tudo, enquanto nos casos em que têm de permanecer imóveis, feitos estátuas, ao fim de escasso tempo o cérebro “está noutra” e eles a vaguear em pensamentos mais felizes e menos seca.

Metodologias antigas
Terceiro papão: as coisas que se aprendem na escola têm de ser também aprendidas noutros lados. Em muitos lados. As fontes de informação, conhecimento e sabedoria são cada vez mais vastas, da casa à rua, passando pela televisão, internet, livros, amigos, vizinhos, casos reais, ficção... a escola não pode aparecer como a única que ensina, nem o professor terá alguma vez capacidade de ter toda a informação e sabedoria. O papel dos verdadeiros mestres é analisar e complementar a informação, partindo muito do que já se sabe, temperando com a sua experiência tudo o resto, designadamente o que é feito em casa. Combater este papão obrigará a repensar praticamente tudo e abandonar muitos dos métodos de gerações anteriores. Se quase tudo mudou na sociedade, em termos de metodologia, o ensino não deve ficar estático e tem de se adaptar às mudanças, bem como ao papel que o resto do mundo desempenha na vida e no sistema de ensino-aprendizagem da criança e do adolescente.

Competências sociais
Quarto papão: a negligência e falta de oportunidade na descoberta de talentos e competências. São demasiadas as oportunidades perdidas e para vencer este papão há que exigir uma revisão ampla dos objectivos pedagógicos da escola e dos sistemas de classificação. Há competências sociais e humanas que não têm nota – o actual sistema é ínvio porque conduz, desde o início, à conclusão de que a performance académica é a única que interessa. Basta ser bom a matemática ou a ciências, mas pode ser-se um bandido sem escrúpulos. O contrário será bastante penalizador.

Outras capacidades
Cada criança ou adolescente tem vastas competências e talentos nas áreas cultural, artística, música, teatro, pintura, escultura, literatura, numa palavra, na criatividade... em muitas escolas, temos aqui um poderoso papão: a desatenção da escola na identificação e, eventualmente, dinamização dessas capacidades. Claro que letras e números são importantes, mas não chega. Se desejamos contribuir para o desenvolvimento de pessoas livres e felizes, assertivas e solidárias, que vivem uma vida própria e relacional nas futuras décadas.

Ambiente
Outro papão que pode existir em muitas escolas chama-se mau ambiente. Mau porque, genericamente, falham os critérios mínimos em termos de ser acolhedor, feito à medida dos alunos e dos professores. Mau porque não há lugar nem oportunidade para exercitar a exploração dos limites do corpo e do físico, sem perigos mas com riscos controlados. Mau porque as armadilhas que causam acidentes de consequências graves existem. Mau porque os alunos não se sentem bem, nem felizes, condição indispensável para o sucesso educativo. Um ambiente de qualidade, a todos os níveis (ético, relacional, estético, ecológico, de segurança), fará mais pelo civismo e pela cidadania do que milhares de pregações feitas pelos adultos. É um papão primordial a que teremos de dar caça.
TPC e afins

Para lá destes papões, há outros, que podem ocorrer em determinadas circunstâncias, mas que podem lesar gravemente o percurso educativo do aluno. Por exemplo:
- no início de um novo ciclo, especialmente o 1º ano (saber estar em sala, adaptar-se a uma vida menos lúdica e com regras e métodos), o 5º ano (passagem da professora maternal e praticamente única para uma série de ‘s’tores’, passando também a batuta de maestro da professora para o próprio aluno, num edifício maior, com mais gente e colegas bastante mais velhos);
- a nutrição na escola – outro papão. Dentro dela e fora dela, aliás, a baixa qualidade do “dentro” é que faz ir procurar a baixa qualidade do “fora” (que, contudo, sempre é mais agradável e livre). O problema das cantinas, refeitórios, máquinas de venda e todo o sistema de contratualização das empresas fornecedoras deverá ser profundamente revisto, sendo ouvidos também pediatras e psicólogos, bem como especialistas em comportamento infantil e juvenil. É um papão muito grande, com consequências graves;
- exames e testes – podem ser papões. Embora devam ser “animais de respeito”, solenes e graves, não devem chegar à categoria de monstros, o que acontece pela impreparação dos alunos, a falta de ligação do teste à realidade das aulas, o objectivo único de avaliar e a falta de condições: quantos professores velam pela boa qualidade de luz, som, glicemia das crianças, fenómenos distractivos, hora do dia, sono, etc, factores estes que são determinantes para o fluxo cerebral e, consequentemente, para o resultado?;
- falta de tempo para brincar, para ser criança ou adolescente, para a intriga do intervalo. Outro papão valente. Para quando dignificar, fisicamente e em termos de duração e horários, os recreios e intervalos? É aí que se aprende, não apenas a vida, mas também as matérias académicas tratadas nos dias anteriores;
- TPC – papão abominável, que deveria ser exterminado. Os trabalhos de casa só deveriam existir ao fim-de-semana. Exigir que alunos cansados ainda tenham de estar a olhar para matéria que o cérebro ainda nem teve tempo de metabolizar, numa hora em que deveriam estar com os pais e longe das questões escolares, é puro sadismo. Deveriam ser abolidos. Já!

O primeiro dia numa nova escola

O primeiro dia numa nova escola não é fácil. É por isso conveniente os alunos conhecerem a escola com antecedência, de preferência antes mesmo das férias (se a mudança puder ser prevista antes do final do ano lectivo anterior) para verem o ambiente com os seus protagonistas.
De qualquer modo, chegar a uma escola e não saber muito bem quem são os colegas, onde são as salas de aulas e quem é quem, é sempre um momento de alguma ansiedade.

É fundamental que a recepção aos novos alunos seja feita com antecedência, provavelmente na véspera, e que no primeiro dia de aulas com todos os alunos haja uma espécie de gabinete de recepção, onde os alunos possam ir para se informar. Depois, as coisas cairão na rotina mas, a princípio, o stresse é a tónica, e a ansiedade pode fazer com que a adaptação escolar e o sucesso educativo possam ser prejudicados, bem como a integração no ecossistema escolar.

Algumas ideias:
- ponto de encontro para novos alunos;
- pequeno manual de navegação para distribuir,  que contenha desde um mapa às regras da escola e outra informação útil;
- designação de um “tutor” de um ano mais elevado, mas que não seja propriamente como os “padrinhos” nas faculdades, dado que não se trata propriamente de praxes – apenas um colega que ajude a integração.

in: Pais&Filhos

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